O pai moderno, muitas vezes perplexo e
angustiado, passa a vida inteira correndo como um louco em busca do futuro e
esquece do agora. A cada novo bem custa dias, semanas, meses de luta. Mas ele
está "realizando" o futuro de sua família. Não se contenta com um
emprego só - é preciso ter dois ou três; vender parte
das férias; levar parte para casa.
Esse homem se esquece de que a verdadeira
declaração de bens está em outra página do formulário do imposto de renda - naquelas modestas linhas, quase
escondidas, onde se lê: relação de dependentes. São os filhos que colocou no
mundo, a quem deve dedicar o melhor do seu tempo.
Novos demais, não estão interessados no aumento da
renda. Eles só querem um pai para conviver, dialogar, brincar.
Mas o pai, porque se entregou de tal forma à
construção do futuro, não os levou ou buscou no colégio; nunca foi a uma festa
infantil; não teve tempo para assistir à coroação de sua filha como rainha da
primavera.
Há filhos órfão de pais vivos. Há irmãos crescendo
como verdadeiros estranhos. Só se encontram de passagem em casa. E para ver os
pais é quase preciso marcar hora.
Depois de uma dramática experiência pessoal e
familiar, a mensagem que tenho para dar é: não há tempo melhor aplicado do que
aquele destinado aos filhos.
Aos 18 anos de casados, passei 15 absorvido pela
construção do futuro para três filhos e minha mulher.
Isso me custou longos afastamentos de casa:
viagens, estágios, cursos,plantões no jornal, madrugadas no
estúdio da televisão... Uma vida sempre agitada, tormentosa e apaixonante, na
dedicação à profissão - que foi, na verdade, mais importante do que minha
família.
Agora, estou aqui com o resultado de tanto esforço:
construir o futuro,penosamente, e não sei o que fazer com ele, depois da perda
de Otávio e Priscila.
De que vale tudo que juntei, se esses filhos não
estão mais aqui para aproveitar? Se o resultado de 30 anos de trabalho fosse consumido agora por um
incêndio e, desses bens todos, não restassem nada mais do que cinzas, isso não
teria a menor importância; não ia provocar o menor abalo em nossa vida, porque
a escala de valores mudou e o dinheiro passou a ter peso mínimo e relativo em
tudo.
Se o dinheiro não foi capaz de comprar a vida de
meu filho amado que se drogou e morreu; se não foi capaz de evitar a fuga de
minha filhinha, que saiu de casa e prostituiu-se, e dela não tenho mais
notícias, para que serve? Para que ser escravo dele?
Eu trocaria - explodindo de felicidade - todas as
linhas da declaração de bens por duas únicas que tive de tirar da relação de
dependentes: os nomes de Luiz Otávio e de Priscila. E como doeu retirar essas
linhas na declaração de 1986, ano base 1985.
Depoimento
de um jornalista
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