Não podemos ficar nas montanhas. Há gente demais nos campos. Todos
os economistas estão de acordo neste ponto. E mesmo que não tivessem!?
os economistas estão de acordo neste ponto. E mesmo que não tivessem!?
Ponha-se na pele dos meus pais, que se o seu filho ficasse isolado,
afastado do resto do mundo. Portanto, é preciso que a senhora nos
aceite, mas não só, servem para mão-de-obra disponível. Todas as classes
têm a sua cultura própria e não há uma classe que tenha mais ou menos
cultura que a outra.
afastado do resto do mundo. Portanto, é preciso que a senhora nos
aceite, mas não só, servem para mão-de-obra disponível. Todas as classes
têm a sua cultura própria e não há uma classe que tenha mais ou menos
cultura que a outra.
Damos-lhe aquela que trazemos em nós, professora. E
um pouco de vida na secura dos seus livros escritos por pessoas, que a
única coisa que fizeram na vida foi ler outros livros.
um pouco de vida na secura dos seus livros escritos por pessoas, que a
única coisa que fizeram na vida foi ler outros livros.
Abra um manual da escola primária. Só se vêem plantas, animais,
estações.
A primeira vista, parece que só poderia ter sido escrito por um camponês. Mas os autores do manual vieram da sua escola. Basta observar as ilustrações:
camponeses canhotos, enxadas, ferreiros com utensílios do tempo dos
romanos, cerejeiras com folhas de ameixeira.
A primeira vista, parece que só poderia ter sido escrito por um camponês. Mas os autores do manual vieram da sua escola. Basta observar as ilustrações:
camponeses canhotos, enxadas, ferreiros com utensílios do tempo dos
romanos, cerejeiras com folhas de ameixeira.
A minha professora da primeira série disse-me uma vez: "Suba nesta
árvore e colha duas cerejas". Quando a minha mãe soube, exclamou: "Só
rindo mesmo! Quem é que deu o
diploma a essa professora?" Deram o diploma a ela, e o
recusaram a mim, que nunca errei o nome de uma árvore. Que conheço todas
e posso descrevê-las. (...)
recusaram a mim, que nunca errei o nome de uma árvore. Que conheço todas
e posso descrevê-las. (...)
Também sobre os homens a senhora sabe menos que nós.
O elevador é uma máquina que serve para ignorar os outros
locatários. O automóvel, uma máquina que serve para ignorar as pessoas
que vão de ônibus. O telefone, uma máquina que serve para não se olhar o
interlocutor de frente e para não entrar na casa dos outros.
Talvez não seja o seu caso, professora, mas os seus alunos que tão bem conhecem Cícero, de quantos seres vivos conhecerão intimamente a família? Na cozinha de quantos já entraram? Em companhia de quantos já entraram, já
velaram? De quantos já sepultaram os mortos? Com quantos poderão contar
numa aflição? Se não tivesse havido a inundação, ainda hoje não saberiam
de quantos membros se compõem a família do térreo. Eu passei um ano na
sua escola e não sei nada sobre a família dos meus colegas (...)
O elevador é uma máquina que serve para ignorar os outros
locatários. O automóvel, uma máquina que serve para ignorar as pessoas
que vão de ônibus. O telefone, uma máquina que serve para não se olhar o
interlocutor de frente e para não entrar na casa dos outros.
Talvez não seja o seu caso, professora, mas os seus alunos que tão bem conhecem Cícero, de quantos seres vivos conhecerão intimamente a família? Na cozinha de quantos já entraram? Em companhia de quantos já entraram, já
velaram? De quantos já sepultaram os mortos? Com quantos poderão contar
numa aflição? Se não tivesse havido a inundação, ainda hoje não saberiam
de quantos membros se compõem a família do térreo. Eu passei um ano na
sua escola e não sei nada sobre a família dos meus colegas (...)
Diariamente mil motores estremecem os ares, o ruído que fazem entra
pela sua janela, mas a senhora não sabe quem os faz trabalhar nem onde
vão. Eu sei ler todos os ruídos deste vale. Aquela moto que se houve lá
ao longe e o Metrô que vai a caminho da estação é já está atrasado. Quer
que eu lhe diga tudo o que se sabe sobre centenas de pessoas, dezenas de
famílias, sem esquecer os parentescos, as ligações? A senhora não sabe
como se deve falar com um operário as palavras, o tom, os gracejos tudo
cai mal, soa falso.
pela sua janela, mas a senhora não sabe quem os faz trabalhar nem onde
vão. Eu sei ler todos os ruídos deste vale. Aquela moto que se houve lá
ao longe e o Metrô que vai a caminho da estação é já está atrasado. Quer
que eu lhe diga tudo o que se sabe sobre centenas de pessoas, dezenas de
famílias, sem esquecer os parentescos, as ligações? A senhora não sabe
como se deve falar com um operário as palavras, o tom, os gracejos tudo
cai mal, soa falso.
Eu sei em que um camponês está pensando quando se
cala e porque às vezes pensa uma coisa e diz outra diferente. É
esta a cultura que os poetas e que a senhora admira, sempre desejaram ter.
Nove décimos do mundo a possuem e ainda ninguém foi capaz de escrevê-la,
pinta-lá, filma-lá.
cala e porque às vezes pensa uma coisa e diz outra diferente. É
esta a cultura que os poetas e que a senhora admira, sempre desejaram ter.
Nove décimos do mundo a possuem e ainda ninguém foi capaz de escrevê-la,
pinta-lá, filma-lá.
Ao menos seja modesta, professora. A sua cultura
tem, como a nossa, grandes lacunas. Talvez ainda maiores que a nossa. E
certamente mais prejudiciais a um professor de escola primária.
tem, como a nossa, grandes lacunas. Talvez ainda maiores que a nossa. E
certamente mais prejudiciais a um professor de escola primária.
(Adaptado de: Alunos da escola de Barbiana. Carta a uma professora. 4a ed.
Lisboa, Editorial Presenca, p.132-5).
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